11 de novembro de 2010

Análise da Obra: O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë



Detive-me durante semanas a imaginar o que diria aos leitores sobre esta obra, principalmente por que dela não posso me privar o direito de indicar e por se tratar de um dos romances mais profundos e belos do qual já tive conhecimento.

O Morro dos Ventos Uivantes de Emily Brontë figura na atualidade por constar na lista de livros preferidos por uma personagem do romance de Stephenie Meyer, Crepúsculo, série de grande aceitação do público Teen, porém desta informação só obtive conhecimento depois que li o livro.

Um ano antes de sua morte, em dezembro de 1848, a jovem Emily Brontë em dezembro de 1848, a jovem Emily Brontë, sob pseudônimo de Ellis Bell, publicava seu único romance, Wuthering Heights, que em português tornou-se conhecido com o titulo de O Morro dos Ventos Uivantes. Ela tinha quase 30 anos quando o livro saiu e uma experiência de vida marcada pela introspecção, pelo silêncio e pela timidez. Era uma jovem bonita mas que - até onde se sabe - não chegou a ter vida amorosa. No entanto, escreveu, em 1847, um romance desconcertante, uma obra de intensa dramaticidade, considerada uma das maiores do romantismo inglês.

Para George Bataille (1998) Emily parece ter sido entre todas as mulheres objeto de uma maldição particular. A sua vida curta só moderadamente foi infeliz. Mas, embora intacta a sua pureza moral, teve uma experiência profunda do abismo do Mal. Ainda que poucos seres tenham sido mais austeros, mais corajosos, mais retos, ela foi até ao fundo do conhecimento do Mal.

É Interessante compreender a natureza do Mal no romance de Brontë e perceber de que maneira essa jovem, criada em um ambiente religioso e austero pelo pai, vigário de Howarth, lugar isolado em Yorkshire, conseguiu tocar tão fundo a essência da maldade e do sadismo.

O leitor tradicional do romance pode resumir o enredo de O morro dos ventos uivantes a uma historieta de amor mal-resolvido, no seu extremo, um amor impossível, que persevera depois da morte da heroína, Catherine Earnshaw, e se torna centro irradiador do horror nas mãos do apaixonado Sr. Heathcliff. Mas, de fato, como sempre em um romance como este, é pouco. Há nele tantas tonalidades, tantas possibilidades de leitura, que as páginas se abrem para um universo complexo e de beleza ímpar. Bataille (1998) lembra que o "destino que, segundo as aparências, quis que Emily Brontë, embora bela, ignorasse completamente o amor, quis também que tivesse da paixão um conhecimento angustiado: esse conhecimento que não liga apenas o amor à claridade, mas à violência e à morte - pois que a morte é aparentemente a verdade do amor. Como também o amor é a verdade da morte".


Ilustração de Heathcliff


Emily vinha de uma família em que, como disse o crítico Otto Maria Carpeaux, todos tinham ao que parece, "capacidades geniais". A obra de Emily se destacou, em relação à das irmãs, ao longo dos anos e de releituras como uma estrela solitária, de beleza incomum. Segundo afirma Carpeaux (2008) "o problema dessas obras-primas estranhas, escritas por moças sem experiência literária nem experiências vitais, nunca será provavelmente resolvido por completo". Exagero ou não do crítico, de fato o livro de Emily parece ter brotado de uma vivência reclusa, introspectiva, de uma leitora apaixonada e de uma mulher com uma intuição e senso de observação além do comum em sua época.

Uma história de amor é uma história de amor - e aí não é preciso ter nenhuma intuição maior para relatá-la - mas a vereda violenta e ao mesmo tempo poética por que segue a narrativa só revela uma autora bastante sensível para captar o clima de sua época no ar e fixá-lo nesse todo inventivo que é um romance. Pode-se até dizer que há algo inverossímil na sua fabulação, no entanto, ela não despreza as regras do romance burguês - então um gênero novo, de apenas cem anos -, penetrando, com sutileza, nas camadas obscuras e complexas de seus personagens, fugindo de qualquer amarração estereotipada, que separaria, com rigidez moralista, os campos do Bem e do Mal.

Quase toda a narração sai da boca de uma criada, Nelly Dean, personagem envolvida com as duas famílias que polarizam o romance: os Earnshaw e os Linton. No entanto, o começo do romance está nas mãos do narrador, Sr. Lockwood, que aluga a casa de Trushcross Grange, originalmente da família Linton, agora administrada pelo Sr. Heathcliff, que mora perto, em Wuthering Heights. O próprio narrador explicará que o termo "Wuthering'' é um provincianismo, "que descreve o tumulto atmosférico a que este local está sujeito em época de tempestades". E é nessa casa que a história se situa.

Lockwood, espantado com a rude recepção do proprietário quando lhe faz uma visita de cortesia, acaba entabulando conversa com a criada que está a sua disposição na casa que alugou Nelly, ou Eilen, como também é chamada. Ele quer obter mais informações, e é ela que passa a relatar, com minúcias, a história das duas famílias e de Heathcliff, garoto que o Sr. Earnshaw encontrara faminto e abandonado nas ruas de Liverpool. O pai de Hindley e de Catherine chegou em casa com o menino, que acabou recebendo o nome de um filho anterior, que morrera ainda na infância.

Com todas as prerrogativas de filho, Heathcliff começou a ser bem cuidado e mimado, detonando um ciúme enorme em Hindley, que se sentia desprezado pelo pai. Catherine, de sua parte, tornou-se próxima do menino, e os dois viviam pelas charnecas, correndo e brincando, numa vida selvagem e sem regras. Uma espécie de idílio da infância. Mesmo depois, quando, com a morte do pai, Hindley assume a casa e espezinha o irmão adotado, tornando-o quase que um criado, Cathy continua ao lado de Heathcliff. E é esse amor que será a mola propulsora do romance. Diante da rudeza do amigo, ela prefere se casar com Edgar Linton, o vizinho rico, educado e de modos refinados, de Trushcross Grange.

Heathcliff, que a ouve dizer que jamais se casaria com ele, mesmo reconhecendo o amor que sentia, foge de casa e passa três anos fora. Catherine sofre por causa dessa ausência, pois reconhece o amor que sente, apesar de considerar a união entre os dois impossível. Ao voltar, Heathcliff quer, de qualquer modo, vingar-se de Edgar. Sente-se traído por Catherine, que trai, na verdade, a infância dos dois, a vida selvagem que levavam. Para Bataille (1998) em seu ensaio, ela traiu "o reino absolutamente soberano da infância, ao qual pertencia com ele de corpo e alma". No entanto, ele, agindo sempre de forma sádica, quer se vingar de Edgar.

Quando Catherine morre, de tuberculose, ele foge e se casa com Isabella, irmã de Edgar. Não por amor, mas por vingança, pois logo começa a castigá-la como um verdadeiro torturador. É o que também fará com Hindley, que, após enviuvar, abandona a educação do filho, Hareton, e passa a jogar e a beber morbidamente. Perde no jogo, se endivida, e Heathcliff acaba ficando com sua propriedade e todos os seus bens. O sadismo, como lembra Bataille, é o gozo "da destruição contemplada", "é o verdadeiro Mal; se mata por uma vantagem material, não é o verdadeiro Mal". E Heathcliff vive atormentado pela vingança c o pelo amor de Catherine, já morta.

O leitor, obviamente, tende a odiar o monstruoso Heathcliff e sua tortura incessante aos moradores da casa, todos arrastados por sua violência. No entanto, há momentos de intenso lirismo, que faz a balança pender um tanto e nunca parar apenas de um lado. Não haverá perdão à maldade de Heathcliff, mas Emily Brontë joga com a cisão inicial, a fratura no ambiente doméstico e burguês, com a entrada de um menino de rua, abandonado e faminto - algo que, simbolicamente, desestabiliza o fundamento em que se apoiava essa burguesia, com toda a sua cultura ornamental e dita racional.

Como diz Bataille (1998): "não há na literatura romanesca personagem que se imponha mais real e simplesmente que Heathcliff; ainda que encarne uma verdade primeira, a da criança revoltada contra o mundo do Bem, contra o mundo dos adultos, e, pela sua revolta, sem reservas, votado ao partido do Mal".

Porém o centro irradiador da ação do romance é a relação afetiva entre Heathcliff e Catherine, que vai se tornando a grande tormenta. Heathcliff e Catherine têm uma característica peculiar. Em vez de suas emoções habitarem os personagens, rodeiam-nos como nuvens tempestuosas, gerando os trovões que enchem o romance desde o momento em que Lockwood sonha com a mão na janela até o momento em que Heathcliff, junto à mesma janela aberta, é encontrado morto.

Esse amor, que é um verdadeiro tumulto, que é tempestuoso, toma conta de todo o romance e de todos os personagens; todos têm de sofrer a impossibilidade amorosa dos dois jovens - algo que lança sua raiz numa diferença de origem social e que, com o passar do tempo, torna-se um abismo e uma maldição. É algo que se irradia e vai apanhar Joseph, o criado da casa, homem profundamente religioso e ambíguo; que captura Hindley, irmão mais velho de Catherine, e seu filho desprezado, Hareton; que destrói Edgar Linton e sua irmã, Isabella; que massacra o jovem Linton, filho de Isabella e Heathcliff, que morre ainda jovem, usado pelo pai até o limite do insuportável e sufocado por toda essa tempestade; e que atinge ainda a bela Catherine Linton, filha de Edgar e Catherine Earnshaw, a quem caberá ao final a reconciliação entre o mundo rude e o culto, entre as duas casas nas charnecas.

Uma obra prima que do inicio ao fim cativa a cada linha, palavra por palavra, nos tocando o coração e a sensibilidade. Heathcliff e Catherine são as personificações do mais belo e ao mesmo tempo o mais terrível que se possa esperar do amor. Capaz de invocar o espírito da amada para cruéis e infindáveis somente pelo prazer de uma lembrança; que leva este amor aos mais ilimitados ódio, se desprende de toda a vida, abre mão do céu pois a vida reside ao lado do amor. É um romance que ressalta, ao invés de outros, os defeitos perversos de seus principais personagens, Heathcliff vingativo e cruel, Catherine orgulhosa e mimada, e desses defeitos se geram os tempestuosos conflitos sentimentais que se arrastam por todo o livro. Indicado a todos os públicos espero que todos leiam esta primorosa história.



REFERÊNCIAS

BATAILLE, Georges. A Literatura e o Mal. Lisboa: Vega, 1998. 186 p.

CARPEAUX, Otto M. História da Literatura Ocidental. Brasília, DF: Senado, 2008.

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